quinta-feira, 1 de julho de 2010

Elevado: a solução mais problemática de São Paulo

Ambientado na exuberante e sufocante cidade de São Paulo, o filme Elevado 3.5, dirigido por João Sodré, Maíra Buhler e Paulo Pastorelo retrata a vida de algumas das muitas pessoas que vivem ao redor do Elevado Presidente Costa e Silva, popularmente conhecido como Minhocão. Intrinsecamente relacionado à cidade, não foi escolhido de maneira aleatória, pois foi obra do tão criticado político Paulo Maluf no auge da ditadura militar, em 1970, em meio aos anos de chumbo.

O momento de lançamento do documentário não veio a calhar. Em maio deste ano, o nosso atual prefeito, Gilberto Kassab, explicitou a intenção de demolir o minhocão, com o projeto “Operação Urbana Brás/Lapa”, onde através da desativação da linha férrea da CPTM seria construída uma avenida para a qual escoaria o trânsito do elevado, podendo, dessa maneira ser desativado sem influenciar em grande escala o trânsito já caótico de São Paulo.

Apesar de ser vencedor do Festival “É Tudo Verdade” de 2007, o documentário é tendencioso e polêmico. Polêmico pelo próprio tema escolhido, o maior complexo da América Latina, que foi construído sob a alegação de escoamento de trânsito através da duplicação horizontal da Rua Amaral Gurgel e da Avenida General Olimpio da Silveira, que ligam a região leste e oeste da cidade.

Tendencioso, pois nos depoimentos selecionados para o filme, nenhum dos entrevistados critica o Elevado, muito pelo contrário, o enaltece com falas como: “Se demolirem o elevado, seria como demolir a Av. Paulista”, “tirar o elevado é como tirar o chão”, “ele foi feito para escoar o trânsito”. Isso torna o documentário fantasioso, pois vai totalmente contra as estatísticas feitas com a população paulistana em sua totalidade, que dizem que o Minhocão denigre a imagem urbanística da cidade.

O filme é predominantemente sombrio, retratando o clima do entorno da Avenida São João, uma vez que com a via concreta construída nas alturas, toda a luz se dissipa. O único momento que se observa a claridade é quando aparece uma visão panorâmica do Elevado. A fotografia foi muito bem escolhida por Lula Carvalho, situando o espectador desde a construção do complexo, até os dias atuais, onde se pode observar uma absoluta degradação para o centro de São Paulo. O que o filme não mostra em palavras e conteúdo, Lula consegue narrar através das fotografias.

Aborda temas clichês como religião, racismo, histórias de amor e solidão. Se atentando muito na história dos entrevistados, quase nada fala sobre a influência do Elevado em suas vidas, que em sua maioria viram o viaduto ser construído pela janela de sua casa, e quais os pontos negativos de morar em frente ao Minhocão, como a poluição duplicada e o barulho ensurdecedor.

O destaque das entrevistas fica para a história do senhor que só fabrica bonecas negras. Ele fornece informações importantes sobre as fábricas de bonecas no Brasil, que em sua quase totalidade só fabricam bonecas loiras. Pessoas que passam despercebidas por nós, apesar de ele andar sempre acompanhado de uma boneca (negra, é claro). Seguindo sempre a linha do incomum, o filme traz depoimentos de pessoas tão excêntricas a ponto de dependerem da existência do elevado para viver, como é o caso da mulher espírita que recebe os espíritos da sacada de sua casa, de frente para o Elevado e do fotógrafo que se nutre das imagens capturadas dos prédios situados ao redor do Minhocão.

Pelo fato de não entrevistar muitos jovens, se torna um documentário saudosista e de apelo muito mais sentimental do que funcional. A música, em ritmo acelerado, lembra a trilha sonora do documentário Koyaanisqatsi, que retrata a velocidade frenética em que grandes metrópoles estão inseridas, através da música, pois conforme vai havendo a evolução tecnológica, a trilha sonora vai se intensificando. No Elevado 3.5, a música, editada por Daniel Pompeu, manteve o ritmo acelerado, compassado conforme a imagem vai percorrendo toda a extensão do Elevado. Um retrato rítmico bem marcante.

Os roteiristas/diretores, apesar de primários na arte de documentar, fizeram um bom trabalho de coleta de histórias inusitadas, fugindo do comum. Porém, poderiam ter escolhido outro título, uma vez que apenas 20% do filme retrata o Elevado. Talvez se inspiraram no Edifício Master, do aclamado cineasta Eduardo Coutinho, que pouco fala sobre a história do próprio edifício, mas ainda aborda mais Copacabana do que o Elevado 3.5 aborda os bairros alcançados pelo Minhocão. Seguindo a mesma linha do Edifício Master, talvez por inexperiência ou por inspiração, há momentos em que a equipe aparece, e a voz do entrevistador em muitas vezes pode ser ouvida, características dos documentários de Coutinho.

Com isso, o documentário tenta, através das palavras de pessoas selecionadas a dedo para falar, passar a mensagem que os diretores queriam: de que o Elevado não pode ser demolido e que faz parte do cartão postal da cidade. Se essa mensagem é verdadeira ou não, cabe a população julgar.

Crédito foto: Folha Online

sábado, 5 de junho de 2010

Jorge Bodanzky

Uma viagem aos recônditos brasileiros

Jorge Bodanzky mostra como transferir a idéia da cabeça para as telas

Dos dias 23 a 28 de maio, aconteceu a Semana de Jornalismo da PUC-SP. Seguindo o ciclo de debates sobre o tema “Direitos Humanos”, na quarta-feira pela manhã o palestrante foi o documentarista Jorge Bodanzky. Com quase 70 anos de idade, o cineasta esbanja determinação quando o assunto é retratar a realidade. Dentre suas obras, merece destaque “Iracema -Uma transa amazônica”, lançada em 1975.

O filme mistura ficção com documentário, retratando o envolvimento de um motorista de caminhão com uma prostituta. Jorge teve a idéia do filme em uma das suas muitas viagens para a Amazônia, que trabalhava como fotógrafo, onde observou a questão da prostituição que acontecia no trajeto da Transamazônica. Em todos os postos de gasolina por onde passava via a mesma cena com prostitutas fazendo ponto e caminhoneiros parando para fazer programa com elas. O filme, censurado pela Ditadura Militar, teve espaço para ser exibido dentro da PUC, que tinha um movimento cineclubista militante naquela época.

O documentarista que sempre teve muito contato com a Alem anha, pois morou e trabalhou lá fotografando e fazendo películas por muitos anos, teve o filme financiado por uma emissora alemã. “Fiz filmes bastante ligados a problemática brasileira, mesmo sendo recursos da TV Alemã, não tem nada de Alemanha no meu filme. A TV Alemã na época tinha um programas muito livres, que procuravam dar informações de todos os lugares do mundo. Então eles financiavam projetos de outros paises. E eu segui esse financiamento justamente porque eu tinha uma visão livre. Não houve uma imposição de conteúdo ”.

Segundo palavras de Jorge, um dos papéis do documentário é ter uma reflexão sobre aquilo que está sendo montado, ter um distanciamento em relação ao objeto estudado. Bodanzky disse ainda que hoje em dia o cinema documentário está vivendo uma fase de ouro, pois o processo de fazer documentário se democratizou por causa da facilidade tecnológica e financeira. Porém, o conteúdo desse trabalho continua tendo dificuldades. O jornalista usa o documentário para o propósito jornalístico, na reportagem. Mas também existe o documentário que é uma reflexão sobre determinado tema.

Para ele, o filme para sair tem que ter uma idéia na cabeça, uma história para contar. Quantidade não quer dizer qualidade, se a idéia for forte, sairá um bom filme. Na palestra afirmou: “Não saia com uma câmera na mão sem uma idéia. Primeiro vem a câmera e depois a idéia na cabeça.”

Vendo a WEB como uma ótima plataforma de exibição de documentários, Bodanzky criou o projeto TV Navegar, uma webTV que tem como objetivo dar voz a população da Amazônia através de documentários que retratam seu cotidiano e os problemas enfrentados por ela. Assim, através da tecnologia, ele dá visibilidade à cultura local e as pessoas que fazem parte desse cenário exuberante da Amazônia.

Mesmo com a repressão que enfrentou na época da ditadura, Bodanzky não desanimou e parou. Seu trabalho atual é o documentário “No meio do rio, entre as árvores”, onde se pode observar o resultado de suas oficinas de vídeo no Alto Solimões. Levando ao pé da letra o aprendido, com uma idéia na cabeça e a câmera na mão, a população ribeirinha registra seu cotidiano, mostrando sua cultura para o mundo.

A reflexão que fica de todo o trabalho de Jorge Bodanzky é a de que o jornalista deve retratar a realidade brasileira, muitas vezes não se limitando as megalópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, mas indo para novos horizontes, para dar voz aqueles que tem muita história para contar, mas não possui os meios para isso.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O vôo do repórter-canarinho

Às Margens do Sena narra a trajetória jornalística do correspondente da Rádio Jovem Pan, Elpídio Reali Júnior, instalado em Paris desde setembro de 1972. Jornalista por vocação, pois não se graduou, também escrevia para o jornal O Estado de S. Paulo, que inseria suas matérias em diversas editorias - de acordo com o conteúdo. Reportava sobre qualquer tema, sempre o relacionando com o Brasil.
Iniciou sua carreira aos 16 anos, pois queria se casar. Começou como locutor comercial da Rádio Panamericana, atual Jovem Pan, mas logo foi cobrir futebol, uma de suas paixões. Foi repórter de campo entre o fim da década de 50 e início de 60, cobrindo a geração de Pelé e Garrincha.
O apelido “repórter-canarinho” foi dado por Geraldo José de Almeida, narrador de esportes da Rádio Panamericana na época em que Reali começou a cobrir futebol em campo, pois ele era menino e loirinho, um “canarinho”. Sua carreira começa a deslanchar, chegando a trabalhar em cinco lugares ao mesmo tempo: Rádio Jovem Pan, Rádio e TV Record, Diário da Noite (São Paulo) e O Globo (Rio de Janeiro). Dizia que o segredo era trabalhar em meios de comunicação que não eram concorrentes, pois assim, as matérias não coincidiam.
Todas as histórias, divididas em capítulos curtos, são narradas em forma de depoimentos. A ideia de fazer um livro de entrevistas contando fatos da vida de Reali Jr. veio de seu colega, o jornalista Gianni Carta. Foram aproximadamente trinta horas de entrevistas, incluindo depoimentos de pessoas relacionadas ao assunto abordado no capítulo.
Narra suas entrevistas com Leonel Brizola, Adhemar de Barros e os presidentes franceses Giscard e Mitterand, entre outras personalidades. Conta sua cobertura quase que exclusiva, na Revolução dos Cravos, em Portugal e suas viagens pelos países europeus após a Segunda Guerra.
O destaque fica para a cobertura ao vivo do Golpe Militar de 1964, que teve o privilégio de presenciar de dentro do Palácio dos Campos Elíseos. Tendo o telefone como único meio de comunicação, ligava para a Rádio Jovem Pan e transmitia ao vivo os acontecimentos de dentro do Palácio.
Indagado sobre como conciliava suas ideias políticas e o trabalho de jornalista, diz: “Eu tentava ser imparcial como, por exemplo, quando era setorista do Palácio do Governo e cobria o Adhemar de Barros (...) Mas sou humano, estava mergulhado numa luta contra a ditadura, não podia ser omisso”.
Suas coberturas em Paris, em sua maioria, envolvendo assuntos políticos, sempre foram regadas a muito vinho e gastronomia refinada, tranformando-o, segundo palavras do próprio autor, de gourmet a gourmand (glutão).
Um livro repleto de informações cruciais para os jornalistas atuais. Introduz assuntos importantes que devem ser relembrados e aprofundados em matérias ou artigos redigidos pelos novos profissionais.
Mesclando fatos e dados densos da política, com histórias engraçadas de seu cotidiano e curiosidades, de depoimento em depoimento, sua trajetória vai sendo traçada. Assim, o homem de sangue italiano, apreciador de bom vinho, que na casa de sua avó materna degustava comida apimentada e vatapá, prende o leitor até a última palavra de Às Margens do Sena.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Notícias de um "possível sequestro"

Estava eu, hoje, indo para a Av. Paulista, o centro ecônomico e de todas as passeatas e manifestações possíveis e imagináveis, mais ou menos ao meio-dia, quando adentrei em um ônibus. Ele não me levaria ao meu destino, mas, para adiantar, afinal, somos escravos do tempo, desceria na Rua da Consolação para pegar um segundo ônibus, graças ao nosso super, ultra, master,blaster Bilhete Único, que nos dá o direito de fazermos 'até 4 viagens em 3 horas pagando 1 tarifa'. Utopias à parte, voltemos a história.

Entrei no ônibus, passei o bilhete e sentei, pois ele estava vazio, em relação a muitos que pego em meu cotidiano paulistano. Abri minha bolsa, peguei o livro " Às Margens do Sena" para mergulhar na realidade paralela da leitura, visto que, a que eu estaria se não tivesse algo para ler, seria a fadada ao trânsito, o que gera um stress considerável.

Assim, para evitar a fadiga, estava na minha leitura, onde o autor, o jornalista Reali Jr. conta sua experiência como correspondente da Jovem Pan e do jornal O Estado de S. Paulo em Paris, há mais de 30 anos. E no meio dessa história, fala muito de política, em especial, da época da ditadura, onde as pessoas viviam sob grande opressão com medo de tudo e de todos. Um momento muito difícil na história de nosso país.

Ao chegar na Rua da Consolação, bem próximo a Igreja da Consolação, eu, lendo, mas atenta a tudo ao redor, observei um certo movimento no ponto de ônibus, situado em um corredor. Pessoas apontando e parando do outro lado da rua. No corredor, pessoas olhando para a mesma direção, tentando entender o que estava passando. E nós, dentro do ônibus, vendo todo o espetáculo lá no fundo da platéia, no pior ângulo possível.

Vale ressaltar que estávamos no centro da cidade, um lugar que apesar de policiado e que por levar esse título de "centro" deveria representar segurança para a população paulistana, mas que fica muitíssimo longe disso. Ou seja: pode-se esperar tudo naquela região.

De repente, em frração de segundos, começa o tumulto. Pessoas (em sua maioria mulheres) gritando: "Polícia, polícia", os que estavam do outro lado parados olhando de camarote o que estava acontecendo, apesar de não estar entendendo absolutamente nada. Aí, no meio da gritaria de polícia, polícia, começa uma correria, pessoas correndo para longe do ônibus da frente. Detalhe: estávamos exatamente atrás do "ônibus da frente".

Nisso, eu já estava do outro lado do ônibus, tentando ver e entender o que estava acontecendo, mas não tinha uma janela para eu colocar a cabeça do lado de fora. Apesar de ter pensado: "e se eu colocar a cabeça e tomar um tiro?". Na hora, pode acreditar, passa ABSOLUTAMENTE TUDO na sua cabeça.

Primeiro imaginei que alguma mulher havia sido assaltada no ponto, mas não tinha visto o assaltante correndo, o que ele faria com absoluta certeza. Daí descartei essa hipótese e pensei em alguém assaltando o ônibus da frente, aquele, que todos saíram de perto. Tudo isso, em frações de segundos.

Nisso, estava voltando para o meu lugar, quando ouvimos um "pipoco", talvez aqueles que uns sacanas que andam de moto fazem com o escapamento. Mas na hora, diante de todo aquele cenário, estava caracterizado como um tiro. Meu Deus! O caos estava instaurado dentro do ônibus. Não maior do que estava acontecendo no ônibus da frente, mas de igual adrenalina.

O cobrador gritou: "é tiro". Daí eu gritei, "é tiro, é tiro", e muitos gritaram. Nisso, o menino que estava sentado próximo à porta que tem do lado do corredor de ônibus (esquerdo) se jogou no chão, e eu mergulhei atrás do menino. Fiquei estirada no chão, pedindo para Deus nos ajudar. Nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça. Nem sei o que falei, se tinha nexo, ia falando o que lembrava, pedi perdão dos meus pecados e me escondi atrás da mochila do garoto, que serviu como um escudo para mim.

Lembro de alguém gritando para o motorista: "Fecha a porta, senão ele entra aqui". Aí me apavorei mais ainda, só vinha na minha cabeça as cenas do filme que retrata o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, que durou horas e vitimou uma moça. Já imaginei o assaltante entrando no ônibus e nos fazendo reféns. Foram frações de segundos eternas.

O que me " confortava" era que, apesar de toda a tensão, estava refugiada na mochila do garoto, que sob a ótica do desespero, se tranformou em uma trincheira para mim. Aí o cobrador fala: "Abaixa, abaixa pessoal". E todos do ônibus foram para o corredor ficar agachados. Alguns entre os bancos, como dava na hora. É nessas horas que o mais machão vira uma moça e o mais carrancudo se torna humano.

De repente um senhor de idade pergunta ao cobrador, com toda calma: " Não é melhor abrir a porta para saírmos?". Eu, na minha trincheira, entre o garoto e a porta não hesitei em falar: " Não! É melhor o senhor se abaixar". Imagina, o motorista abrindo a porta? Eu ia cair no meio da avenida e ainda poderia ser alvejada pelo "ladrão". E o meu escudo iria por asfalto abaixo também. Nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça.

Então, o motorista, que tinha uma visão mais ampla do negócio diz: "Não é nada, não é nada, a polícia já chegou". Tudo bem que pela quantidade de pessoas que tinha no local, 90% curiosos, já daria para imobilizar e desarmar até uma quadrilha, munida de armas pesadas. Mas, nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça.

Então saí da minha trincheira e não consegui mais ficar vendo tudo do fundão da platéia, fui no palco ver o que realmente estava acontecendo. Qual era o motivo REAL que tinha nos causado tanto pânico. Então vi um aglomerado de pessoas no ponto, um policial e um cara todo nervoso com a mão no ouvido. Cheguei mais perto para ver se tinha alguém caído, afinal, até aquele momento, havíamos ouvido um tiro. Não tinha ninguém.

Perguntei a um senhor o que tinha acontecido e ele me respondeu que o cara estava causando tumulto do outro lado da rua e saiu correndo, entrou no ônibus e tentou agredir o cobrador. Mas para mim aquilo não fazia sentido? Era só uma peça do quebra-cabeça. Por que raios o cara iria surtar e do nada tentar agredir o cobrador que até então não tinha nada a ver com a história?
Entrei no ônibus e contei o que o homem havia me dito. Então um cara entra no ônibus e conta a versão real, de quem vivenciou tudo, dos fatos.

Ele havia descido do ônibus onde teve o tumulto e entrou no nosso. Contou que o cara em questão estava dentro do ônibus há um tempão e queria passar sem pagar. Então o cobrador disse para ele descer, mas ele não quis. Aí o motorista parou em um posto policial e o cara teve que descer. Coincidentemente, o posto era bem próximo ao ponto de ônibus. O cara saiu correndo e entrou no ônibus, que estava parado no ponto, seguindo seu turno normal de paradas.

Porém, quando ele entrou, ele levantou a camiseta como se tivesse uma arma, e tirou um caco de azulejo, o homem não soube dizer o que era. Foi quando o caos se instaurou. As pessoas de dentro do ônibus da frente queriam descer, pois pensaram que o sujeito estava armado. E começou a gritaria toda.

Se nós, passamos um susto enorme, imagina eles, que presenciaram tudo, de camarote. Nessas horas, o camarote é o pior lugar. Para ter uma ideia do desespero do povo, eles quebraram o vidro do ônibus para descer. TENSO.

Tudo foi um grande mal entendido, ante um pico de stress de um sujeito que não soube controlar seu ímpeto e foi tirar satisfações com o cobrador, sem pensar em todas as pessoas que afetaria com sua atitude. Até nós, do ônibus de trás.

No final, eu ri. Ri e tremi.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A sociedade frenética

Na sociedade do imediatismo em que estamos o tempo tornou-se obsoleto, pois vivemos correndo de um lado para o outro, e ainda não temos tempo para nada. Em meio ao auge da era tecnológica, onde temos notícias sobre o que queremos em fração de segundos, esperar por algo, tornou-se tarefa árdua. Sentar e ficar assistindo a um vídeo por 60 minutos com uma única imagem de um relógio digital cronometrando esse tempo e uma pessoa tentando seguir o relógio, copiando incessantemente a hora que o relógio marca, absolutamente impossível.

Essa experiência é possível ser vivenciada e testada no Centro Cultural São Paulo, na exposição Wonderland- Ações e Paradoxos, que com o uso de tecnologia moderna, ficam espalhadas televisões de plasma, dez no total, pelo espaço do Centro, onde o observador se senta em poltronas confortáveis e assiste a vídeos sem nexo, onde os artistas praticam ações totalmente sem lógica, que não levam a nada. Alguns vídeos, como o “Acender” passam sensações de desespero, mesmo sendo apenas uma imagem visual, sem sons.

Já o “Despejar”, apesar de seguir a linha dos outros vídeos da exposição, traz um fundo ideológico do que os homens estão fazendo com a natureza. No caso, o gelo, representa a natureza, e a gelatina vermelha, despejada pela autora, as ações agressivas à ela que o homem pratica, muitas vezes sem consciência do que está fazendo. Mostra o quanto uma ação que o homem faz com a natureza pode marcá-la, levando bastante tempo para desaparecer, pois no vídeo, as manchas vermelhas vão levar muito tempo para serem absorvidas pela neve. Assim, mostra que não existe ação que não traga conseqüências.

Outro que merece comentário é o “Nadar”, que mostra uma pessoa nadando em uma água barrenta e suja, que não chega a lugar nenhum. Com som, no “percurso”, se ouve um burburinho de pessoas falando e motores de carro. Representa a luta do ser humano de chegar a algum lugar, deixando tudo e todos para trás, mesmo sem saber para onde irá. Seguindo a mesma linha, está o “Remar”, que não tem som e mostra um cara remando em uma pequena ilha de costas. Assim como o “Nadar”, representa o nosso dia-a-dia, em que remamos contra a maré da vida, sem enxergar o que está por vir.

Assim, a exposição, apesar de não ser lógica, pode fazer sentido se pensarmos sobre a ótica da luta do homem e dos males que esse mesmo homem pode fazer com a natureza, mesmo sem perceber. Muitas vezes, fadados ao imediatismo, os seres humanos fazem ações repetitivas que não são percebidas, precisando muitas vezes, de algo ilógico para que possam ser enxergadas. Não existe nada sem sentido na arte. Ela é a maneira de expressar o que a sociedade sente, o mal estar da civilização.

Em paralelo com essa exposição, temos o documentário Koyaanisqatsi: Life out of balance, de 1983, que mostra, de maneira espetacular para a época, a diferença entre o ritmo frenético das metrópoles e o ritmo contínuo da natureza, com o dia passando calmamente e a noite chegando à sua hora.

Feito pelo diretor Godfrey Reggio, mostra os eventos da natureza (como o raiar do sol e o anoitecer), visualizados através de janelas de prédios. No primeiro, o sol sob o reflexo de uma janela espelhada, provavelmente de um prédio comercial, e no segundo, a lua atrás de um prédio.

Mostra como algo que parece normal, como o trânsito e a quantidade de transeuntes, vai se tornando cada vez mais insuportável, em um ritmo frenético acompanhado pela velocidade da música que também vai aumentando a medida que o vídeo vai passando.

É incrível, pois o vídeo foi feito há 27 anos atrás e nos parece tão atual, pois mostra de maneira clara a velocidade frenética em que vivemos. Esse ritmo desenfreado, rumando a algo que não sabemos onde vai dar, assim como mostra a exposição Wonderland. Não paramos um minuto, rumando à velocidade luz.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Tudo é uma questão de peso

Em turnê por São Paulo, a princípio até 2 de maio, a peça Gorda vem para desbancar os tabus impostos pela mídia a respeito do peso ideal. Escrita pelo aclamado dramaturgo Neil LaBute, ícone do teatro contemporâneo, o espetáculo já passou pelos Estados Unidos, Europa e América Latina. No Brasil, marcou presença no Rio de Janeiro, onde fez bastante sucesso e agora na terra da garoa. A peça traz a história de Helena (Fabiana Karla), que conhece Tony (Michel Bercovitch), obcecado pelo corpo perfeito. Assim que começam a conversar, em um restaurante, o executivo fica encantado com a bibliotecária e seu jeito cativante e sedutor. Daí em diante começa o dilema. Quanto pesa o amor? Ele, obcecado pelo culto ao corpo, de acordo com os moldes impostos pela mídia, interessado em uma mulher que está acima do peso idealizado pela sociedade, e que não está preocupada com isso?

A questão martela a cabeça de Tony o tempo todo, pois para completar a situação, o empresário ainda conta com seu amigo de trabalho, Caco (Mouhamed Harchouf), que com seu jeito desbocado e espontâneo, o coloca em várias “saias justas”. Para completar, ainda há o fantasma da sua secretária, Joana (Flávia Rubim), com quem teve um caso amoroso, que é absolutamente esbelta, sem nenhuma gordura e totalmente neurótica com o peso também.

Assim, a peça se desenrola com Tony apaixonado por Helena, tentando esconder o romance proibido. E Caco e Joana atormentando a vida do empresário, para que ele conte quem é a misteriosa por quem ele está morrendo, e sofrendo, de amores. Mostra, no decorrer da história, todo o preconceito que Joana, Caco e até Tony tinham com pessoas acima do peso, retratando a visão do senso comum, que não enxerga que são manipulados para pensar dessa maneira, se tornando escravos de si mesmos.

Fabiana Karla, atriz conhecida por seus papéis irreverentes no programa humorístico Zorra Total, da Rede Globo, dentre eles, o da Dra. Lorca, uma médica que não se importa com o controle do peso, e recepciona seus pacientes à base de muitas guloseimas, representa brilhantemente Helena. Apesar de seguir o texto, ela fala com tamanha naturalidade que a impressão que se tem é a de que não há nenhum esforço por parte de Fabiana para interpretar o papel.

A peça nos leva a refletir até que ponto a busca pelo corpo ideal pode ser benéfica para nós, e porque as pessoas acham que para serem felizes precisam ser magras. Mostra que tudo isso é uma fuga da realidade e que as pessoas não são mais ou menos realizadas se estão mais magras ou mais gordas.

A história nos mostra que o importante é, acima de qualquer coisa, a pessoa estar bem consigo mesma, pois na própria peça mostra que Joana, a mulher idealizada de acordo com os padrões ditados pela sociedade, não estava bem consigo mesma, pois não se aceitava. Isso não significa que temos que ser desleixados e não cuidar da saúde, muito pelo contrário, mostra que podemos sim, comer tudo o que temos vontade, mas com moderação.

Apesar de a história ter um fundo dramático, a descontração fica por conta de Fabiana Karla e Mouhamed, cujos personagens são hilários e irreverentes, com frases ótimas, sendo impossível não dar deliciosas gargalhadas.

Crônica de uma chuva não anunciada

Seis da manhã, o relógio começa a tocar, são prenúncios de que mais um dia se inicia. O sono é muito grande, mas a vontade de viver é maior ainda. A vontade de prosperar e se realizar como pessoa transcende toda ação involuntária do organismo, implorando por mais 10 ou 15 minutos de descanso.

Nessa cidade grande que é São Paulo, onde ninguém é de ninguém, nem de si próprio, onde todos correm sem saber para onde estão rumando, se aprende a arte de viver, ou de sobreviver, se olhar sob outra ótica.

Planos são adiados diariamente, todo um planejamento feito um dia antes vai literalmente por água abaixo, devido às fortíssimas chuvas que atormentam a vida dos paulistanos. Mas há quem pense o contrário, afinal, ela, que para uns é a grande vilã, para outros é a melhor e indiscutível desculpa para chegar mais tarde no trabalho, para não ir a um compromisso, e por aí vai.

Para entender melhor essas chuvas diárias que nos apavoram mais que ônibus lotado e fila para ir ao banheiro, é necessário recorrer à Bíblia, um livro antigo, mas de muita valia para nós, meros mortais. Ela está presente desde Gênesis, o início de tudo, quando Deus anunciou para Noé que a Terra se encheria de água. Deus também nos prometeu que nunca mais o mundo acabaria em água, o que nos dá um certo alívio quando vemos a chuva caindo do céu.

A verdade é que a chuva, um fenômeno climático muito importante para o bom funcionamento da natureza, tem causado muitos transtornos para a maioria da população paulistana. Já somos fadados ao trânsito, às filas para tudo e ao stress cotidiano, vivendo nessa “masterlópole” onde casas são substituídas por prédios e comércios por pólos comerciais.

E a chuva vem para complementar esse pacote paulistano. É quando a combinação ônibus lotado, trânsito e chuva ficam insuportáveis para nós, meros mortais. Tudo começa quando o lindo céu azul de brigadeiro começa a se transformar em cinza, uma nuance nada agradável para algo que, há poucos minutos, ou segundos, se podia chamar de lindo.

E o horário, é sempre o melhor possível, cronometradamente quando estamos saindo do trabalho, ou para ir trabalhar, saindo do cinema, onde o humano foi para “desestressar-se”, ou na ida a uma consulta, que tivemos que esperar alguns meses para chegar.

São minutos eternos, com conseqüências sem fim, onde a grande maioria das pessoas vêem toda a sua árdua construção e investimentos com mobílias, eletrodomésticos e tecnologia indo por água abaixo. Todos os seus sonhos, construídos com essa eterna sobrevivência esvaindo-se e virando lama.

É quando paramos para nos perguntar o porquê que tudo isso está acontecendo. A resposta, nem sempre vem tão fácil, pois fenômenos climáticos, realmente não se podem explicar. Agora pessoas perdendo sua moradia, seus bens, em enchentes, é absolutamente explicável, e só enxerga quem não está com a lente da hipocrisia implantada em suas pupilas.

Nesse ano eleitoral, muitas promessas são feitas, aquelas básicas como o saneamento básico, educação, moradia, etc. Mas como querem cumprir com essas, se não se mobilizam para desentupir os bueiros, conscientizar a população que o lixo que eles estão jogando na rua hoje, é o mesmo que ocasiona a perca da sua moradia amanhã.

Essa é a cidade rumando ao primeiro mundo, mas sem infra-estrutura e pessoas competentemente dispostas a direcioná-la. O ano da copa do mundo e o ano eleitoral. Mas até tudo se estabilizar, ficamos nós, meros mortais, esperando que seja feito algo com essa situação caótica que a chuva traz. Mas aumentada em grande proporção pela má administração pública. E até tudo se amenizar, muitas águas vão rolar.