quinta-feira, 1 de julho de 2010

Elevado: a solução mais problemática de São Paulo

Ambientado na exuberante e sufocante cidade de São Paulo, o filme Elevado 3.5, dirigido por João Sodré, Maíra Buhler e Paulo Pastorelo retrata a vida de algumas das muitas pessoas que vivem ao redor do Elevado Presidente Costa e Silva, popularmente conhecido como Minhocão. Intrinsecamente relacionado à cidade, não foi escolhido de maneira aleatória, pois foi obra do tão criticado político Paulo Maluf no auge da ditadura militar, em 1970, em meio aos anos de chumbo.

O momento de lançamento do documentário não veio a calhar. Em maio deste ano, o nosso atual prefeito, Gilberto Kassab, explicitou a intenção de demolir o minhocão, com o projeto “Operação Urbana Brás/Lapa”, onde através da desativação da linha férrea da CPTM seria construída uma avenida para a qual escoaria o trânsito do elevado, podendo, dessa maneira ser desativado sem influenciar em grande escala o trânsito já caótico de São Paulo.

Apesar de ser vencedor do Festival “É Tudo Verdade” de 2007, o documentário é tendencioso e polêmico. Polêmico pelo próprio tema escolhido, o maior complexo da América Latina, que foi construído sob a alegação de escoamento de trânsito através da duplicação horizontal da Rua Amaral Gurgel e da Avenida General Olimpio da Silveira, que ligam a região leste e oeste da cidade.

Tendencioso, pois nos depoimentos selecionados para o filme, nenhum dos entrevistados critica o Elevado, muito pelo contrário, o enaltece com falas como: “Se demolirem o elevado, seria como demolir a Av. Paulista”, “tirar o elevado é como tirar o chão”, “ele foi feito para escoar o trânsito”. Isso torna o documentário fantasioso, pois vai totalmente contra as estatísticas feitas com a população paulistana em sua totalidade, que dizem que o Minhocão denigre a imagem urbanística da cidade.

O filme é predominantemente sombrio, retratando o clima do entorno da Avenida São João, uma vez que com a via concreta construída nas alturas, toda a luz se dissipa. O único momento que se observa a claridade é quando aparece uma visão panorâmica do Elevado. A fotografia foi muito bem escolhida por Lula Carvalho, situando o espectador desde a construção do complexo, até os dias atuais, onde se pode observar uma absoluta degradação para o centro de São Paulo. O que o filme não mostra em palavras e conteúdo, Lula consegue narrar através das fotografias.

Aborda temas clichês como religião, racismo, histórias de amor e solidão. Se atentando muito na história dos entrevistados, quase nada fala sobre a influência do Elevado em suas vidas, que em sua maioria viram o viaduto ser construído pela janela de sua casa, e quais os pontos negativos de morar em frente ao Minhocão, como a poluição duplicada e o barulho ensurdecedor.

O destaque das entrevistas fica para a história do senhor que só fabrica bonecas negras. Ele fornece informações importantes sobre as fábricas de bonecas no Brasil, que em sua quase totalidade só fabricam bonecas loiras. Pessoas que passam despercebidas por nós, apesar de ele andar sempre acompanhado de uma boneca (negra, é claro). Seguindo sempre a linha do incomum, o filme traz depoimentos de pessoas tão excêntricas a ponto de dependerem da existência do elevado para viver, como é o caso da mulher espírita que recebe os espíritos da sacada de sua casa, de frente para o Elevado e do fotógrafo que se nutre das imagens capturadas dos prédios situados ao redor do Minhocão.

Pelo fato de não entrevistar muitos jovens, se torna um documentário saudosista e de apelo muito mais sentimental do que funcional. A música, em ritmo acelerado, lembra a trilha sonora do documentário Koyaanisqatsi, que retrata a velocidade frenética em que grandes metrópoles estão inseridas, através da música, pois conforme vai havendo a evolução tecnológica, a trilha sonora vai se intensificando. No Elevado 3.5, a música, editada por Daniel Pompeu, manteve o ritmo acelerado, compassado conforme a imagem vai percorrendo toda a extensão do Elevado. Um retrato rítmico bem marcante.

Os roteiristas/diretores, apesar de primários na arte de documentar, fizeram um bom trabalho de coleta de histórias inusitadas, fugindo do comum. Porém, poderiam ter escolhido outro título, uma vez que apenas 20% do filme retrata o Elevado. Talvez se inspiraram no Edifício Master, do aclamado cineasta Eduardo Coutinho, que pouco fala sobre a história do próprio edifício, mas ainda aborda mais Copacabana do que o Elevado 3.5 aborda os bairros alcançados pelo Minhocão. Seguindo a mesma linha do Edifício Master, talvez por inexperiência ou por inspiração, há momentos em que a equipe aparece, e a voz do entrevistador em muitas vezes pode ser ouvida, características dos documentários de Coutinho.

Com isso, o documentário tenta, através das palavras de pessoas selecionadas a dedo para falar, passar a mensagem que os diretores queriam: de que o Elevado não pode ser demolido e que faz parte do cartão postal da cidade. Se essa mensagem é verdadeira ou não, cabe a população julgar.

Crédito foto: Folha Online

Um comentário:

  1. São Paulo já é um cidade feia... com um 'cartão postal' desse... piorou!
    Abs,
    Adriana

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