Estava eu, hoje, indo para a Av. Paulista, o centro ecônomico e de todas as passeatas e manifestações possíveis e imagináveis, mais ou menos ao meio-dia, quando adentrei em um ônibus. Ele não me levaria ao meu destino, mas, para adiantar, afinal, somos escravos do tempo, desceria na Rua da Consolação para pegar um segundo ônibus, graças ao nosso super, ultra, master,blaster Bilhete Único, que nos dá o direito de fazermos 'até 4 viagens em 3 horas pagando 1 tarifa'. Utopias à parte, voltemos a história.
Entrei no ônibus, passei o bilhete e sentei, pois ele estava vazio, em relação a muitos que pego em meu cotidiano paulistano. Abri minha bolsa, peguei o livro " Às Margens do Sena" para mergulhar na realidade paralela da leitura, visto que, a que eu estaria se não tivesse algo para ler, seria a fadada ao trânsito, o que gera um stress considerável.
Assim, para evitar a fadiga, estava na minha leitura, onde o autor, o jornalista Reali Jr. conta sua experiência como correspondente da Jovem Pan e do jornal O Estado de S. Paulo em Paris, há mais de 30 anos. E no meio dessa história, fala muito de política, em especial, da época da ditadura, onde as pessoas viviam sob grande opressão com medo de tudo e de todos. Um momento muito difícil na história de nosso país.
Ao chegar na Rua da Consolação, bem próximo a Igreja da Consolação, eu, lendo, mas atenta a tudo ao redor, observei um certo movimento no ponto de ônibus, situado em um corredor. Pessoas apontando e parando do outro lado da rua. No corredor, pessoas olhando para a mesma direção, tentando entender o que estava passando. E nós, dentro do ônibus, vendo todo o espetáculo lá no fundo da platéia, no pior ângulo possível.
Vale ressaltar que estávamos no centro da cidade, um lugar que apesar de policiado e que por levar esse título de "centro" deveria representar segurança para a população paulistana, mas que fica muitíssimo longe disso. Ou seja: pode-se esperar tudo naquela região.
De repente, em frração de segundos, começa o tumulto. Pessoas (em sua maioria mulheres) gritando: "Polícia, polícia", os que estavam do outro lado parados olhando de camarote o que estava acontecendo, apesar de não estar entendendo absolutamente nada. Aí, no meio da gritaria de polícia, polícia, começa uma correria, pessoas correndo para longe do ônibus da frente. Detalhe: estávamos exatamente atrás do "ônibus da frente".
Nisso, eu já estava do outro lado do ônibus, tentando ver e entender o que estava acontecendo, mas não tinha uma janela para eu colocar a cabeça do lado de fora. Apesar de ter pensado: "e se eu colocar a cabeça e tomar um tiro?". Na hora, pode acreditar, passa ABSOLUTAMENTE TUDO na sua cabeça.
Primeiro imaginei que alguma mulher havia sido assaltada no ponto, mas não tinha visto o assaltante correndo, o que ele faria com absoluta certeza. Daí descartei essa hipótese e pensei em alguém assaltando o ônibus da frente, aquele, que todos saíram de perto. Tudo isso, em frações de segundos.
Nisso, estava voltando para o meu lugar, quando ouvimos um "pipoco", talvez aqueles que uns sacanas que andam de moto fazem com o escapamento. Mas na hora, diante de todo aquele cenário, estava caracterizado como um tiro. Meu Deus! O caos estava instaurado dentro do ônibus. Não maior do que estava acontecendo no ônibus da frente, mas de igual adrenalina.
O cobrador gritou: "é tiro". Daí eu gritei, "é tiro, é tiro", e muitos gritaram. Nisso, o menino que estava sentado próximo à porta que tem do lado do corredor de ônibus (esquerdo) se jogou no chão, e eu mergulhei atrás do menino. Fiquei estirada no chão, pedindo para Deus nos ajudar. Nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça. Nem sei o que falei, se tinha nexo, ia falando o que lembrava, pedi perdão dos meus pecados e me escondi atrás da mochila do garoto, que serviu como um escudo para mim.
Lembro de alguém gritando para o motorista: "Fecha a porta, senão ele entra aqui". Aí me apavorei mais ainda, só vinha na minha cabeça as cenas do filme que retrata o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, que durou horas e vitimou uma moça. Já imaginei o assaltante entrando no ônibus e nos fazendo reféns. Foram frações de segundos eternas.
O que me " confortava" era que, apesar de toda a tensão, estava refugiada na mochila do garoto, que sob a ótica do desespero, se tranformou em uma trincheira para mim. Aí o cobrador fala: "Abaixa, abaixa pessoal". E todos do ônibus foram para o corredor ficar agachados. Alguns entre os bancos, como dava na hora. É nessas horas que o mais machão vira uma moça e o mais carrancudo se torna humano.
De repente um senhor de idade pergunta ao cobrador, com toda calma: " Não é melhor abrir a porta para saírmos?". Eu, na minha trincheira, entre o garoto e a porta não hesitei em falar: " Não! É melhor o senhor se abaixar". Imagina, o motorista abrindo a porta? Eu ia cair no meio da avenida e ainda poderia ser alvejada pelo "ladrão". E o meu escudo iria por asfalto abaixo também. Nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça.
Então, o motorista, que tinha uma visão mais ampla do negócio diz: "Não é nada, não é nada, a polícia já chegou". Tudo bem que pela quantidade de pessoas que tinha no local, 90% curiosos, já daria para imobilizar e desarmar até uma quadrilha, munida de armas pesadas. Mas, nessas horas, passa ABSOLUTAMENTE TUDO em nossa cabeça.
Então saí da minha trincheira e não consegui mais ficar vendo tudo do fundão da platéia, fui no palco ver o que realmente estava acontecendo. Qual era o motivo REAL que tinha nos causado tanto pânico. Então vi um aglomerado de pessoas no ponto, um policial e um cara todo nervoso com a mão no ouvido. Cheguei mais perto para ver se tinha alguém caído, afinal, até aquele momento, havíamos ouvido um tiro. Não tinha ninguém.
Perguntei a um senhor o que tinha acontecido e ele me respondeu que o cara estava causando tumulto do outro lado da rua e saiu correndo, entrou no ônibus e tentou agredir o cobrador. Mas para mim aquilo não fazia sentido? Era só uma peça do quebra-cabeça. Por que raios o cara iria surtar e do nada tentar agredir o cobrador que até então não tinha nada a ver com a história?
Entrei no ônibus e contei o que o homem havia me dito. Então um cara entra no ônibus e conta a versão real, de quem vivenciou tudo, dos fatos.
Ele havia descido do ônibus onde teve o tumulto e entrou no nosso. Contou que o cara em questão estava dentro do ônibus há um tempão e queria passar sem pagar. Então o cobrador disse para ele descer, mas ele não quis. Aí o motorista parou em um posto policial e o cara teve que descer. Coincidentemente, o posto era bem próximo ao ponto de ônibus. O cara saiu correndo e entrou no ônibus, que estava parado no ponto, seguindo seu turno normal de paradas.
Porém, quando ele entrou, ele levantou a camiseta como se tivesse uma arma, e tirou um caco de azulejo, o homem não soube dizer o que era. Foi quando o caos se instaurou. As pessoas de dentro do ônibus da frente queriam descer, pois pensaram que o sujeito estava armado. E começou a gritaria toda.
Se nós, passamos um susto enorme, imagina eles, que presenciaram tudo, de camarote. Nessas horas, o camarote é o pior lugar. Para ter uma ideia do desespero do povo, eles quebraram o vidro do ônibus para descer. TENSO.
Tudo foi um grande mal entendido, ante um pico de stress de um sujeito que não soube controlar seu ímpeto e foi tirar satisfações com o cobrador, sem pensar em todas as pessoas que afetaria com sua atitude. Até nós, do ônibus de trás.
No final, eu ri. Ri e tremi.